26 de maio de 2018

Os Souza

Nostalgia é quando você se lembra de que foi pequeno um dia. E teve melhores amigos. Talvez sua melhor amiga se chamasse Claudinha e ela tivesse dois irmãos adolescentes chamados Raquel e Juninho. Talvez os pais deles recebessem você na casa deles e esses pais poderiam se chamar Antônio e Cecy.

Você se lembra deles com o coração leve, mesmo tanto tempo depois de seus caminhos terem se afastado, como a vida faz com todo mundo, aliás.

Imagine que você costumava ir para a roça (hoje, Serra do Cipó, e nem é roça mais). Você ia com eles na camionete laranja do tio Antônio. Na caçamba mesmo.

Ela era coberta, mas independentemente disso, as crianças iam cuspindo tijolo porque a estrada era de terra vermelha e era inevitável que a poeira invadisse o carro.

Viajar levava uma eternidade. Ficar sacolejando ali fazia a bunda doer, mas dane-se! Ir para a Serra era promessa de diversão garantida, de um céu cheio de estrelas e da maior lua cheia que você jamais veria na vida.

Você se lembra de ter quase se afogado pelo menos duas vezes na vida: uma na piscina da casa da prima da Claudinha e a outra no córrego da roça. Graças a isso sua mãe mandou você e seus irmãos aprender natação.

Juninho foi quem "pescou" você do córrego quando se afogou lá na Serra do Cipó. E ele ficou muito bravo com a irmã caçula dele. Você nunca teria sabido o motivo, caso a própria Claudinha não tivesse confessado que ela empurrou você do tronco / ponte improvisada. Claudinha ficou desconfortável de lhe revelar essa história, mas seu amor por ela não diminuiu por esses detalhes. Que tipo de melhores amigos vocês seriam se fosse diferente?! (Na verdade, talvez você soubesse e tivesse optado por esquecer).

Você também se lembra de que foi o Juninho quem lhe emprestou o primeiro disco do Queen (e talvez do Deep Purple?). Você só devolveu depois de uma eternidade. Aprendeu a mexer no som do seu pai (área sagrada e intocável da casa!) por causa do Queen!

O Juninho também foi representar os sentimentos da família quando o seu tio Dudu partiu. E provavelmente ele achou isso constrangedor, mas ele lhe ensinou com poucas palavras como presenças e honras eram importantes.

Você também se lembra que tia Cecy passou mal um dia. Raquel, que sempre foi a "healer" para as crianças, pediu para não fazer barulho na casa e todo mundo respeitou. Naquele dia você descobriu que se importava com a saúde dos outros. Isso (talvez) lhe serviria para algo no futuro.

A Raquel foi quem tirou as centenas de espinhos de coqueiro que cismavam em se enfiar entre seus dedos dos pés. Foi ela também quem tirou você da piscina naquele dia que você escorregou. Esse foi escorregão mesmo. Você era criança, logo, tinha propensões a esses acidentes sem noção.

Assim, você foi salvo pelos irmãos que agiam tão naturalmente com essas "coisas de criança" que você não teve que lidar com traumas, nem na natação.

A tia Cecy era uma lady pelos seus olhos de criança. Ela e sua mãe eram as representações femininas de poder. Isso junto com a Zoraide, mas Zoraide é de outra família diferente.

Tia Cecy lhe ensinou a respeitar a humildade das pessoas, mesmo quando tudo o que elas podiam oferecer era água com açúcar. O nectar vindo de gente sem recursos foi bem-vindo naquela noite fria e aqueceria seu coração por toda sua vida.

A boca de Claudinha, Raquel e tia Cecy torciam (torcem) exatamente do mesmo jeito quando queriam contar um segredo. Ou um malfeito.

O arcano e o secreto lhe foram apresentados por essa família. Fosse pelos passes de tia Maria na casa de dona Cremilda, fosse pelas histórias de disco voador, de vampiro ou lobisomem que Raquel e Juninho contavam. Ah como você amava (ama) essas histórias! Talvez você ainda durma com o pé coberto por causa delas...

Na casa de dona Cremilda você tinha medo do maior cachorro do mundo. Depois, ou ao mesmo tempo, Juninho e tio Antônio cuidavam de cães gigantes na casa deles também. Pelo menos uma vez você correu com Claudinha de um desses cães. Era divertido. Era assustador.

Claudinha era simplesmente a menina mais legal do mundo. Era ela quem fazia você rir quando você chorava por perder um jogo. Ela lhe chamava de "chora e ri" e você ria mais ainda. Seu nariz vermelho e o sorriso torto não deviam ter um efeito bonito!

Tio Antônio ensinou com orgulho à Raquel e ao Juninho a dirigir. Ou o Juninho ensinou à Raquel. Ou eles aprenderam e fugiam na camionete conosco de vez em quando. Eram outros tempos. Alguém não podia saber dessa história da caminhonete. Oh-oh.

Esses dois irmãos sempre foram legais porque conversavam com as crianças, por mais pentelhas que elas fossem!

E por falar em carros, a Claudinha foi quem lhe ensinou a usar o desembaçador de vidros na volta da Santa Casa. Vocês duas já tinham carteira, óbvio, mas você nunca se interessou por carros como ela. Coisa da família Souza, quem sabe? Você se lembra bem de que o riso dela foi franco ao descobrir que você ainda usava a flanelinha, como seu pai fazia anos atrás. Não fosse ela, você jamais teria lido um manual de carro. De novo.

Havia também o inesquecível brado do Tio Antônio: "oh, trem bom!" para quem ele considerava a maior cozinheira do mundo: tia Cecy, claro.

Dizem que foi por causa de tio Antônio que o seu irmão do meio nasceu com a língua para fora. Afinal, não se fala em pato a Califórnia para gestantes em final de gravidez! Será que ele "aguou" o menino? Nunca saberemos.

Mas sabemos que essa família fez parte de sua história e que deixou saudades e lembranças de um tempo bom. Um tempo em que era bom e saudável ser criança.

Seja grato.
Saúde e paz a todos eles.

Thais Simone
26/05/2018

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