3 de março de 2016

Diário do escritor: Persona

Pediram que eu escrevesse uma história de personagem... Os dias se passaram sem que a criatura se manifestasse. Chegava perto da entrega do trabalho e ela não aparecia.

Eu sabia que era uma moça e que ela não teria cabelos ruivos dessa vez. Ninguém jamais terá cabelos ruivos nessas histórias encomendadas. Damas de fogo são raras, me recuso a banalizá-las! Tudo o que via da nova figura eram os olhos amendoados... Oblíquos? Também não. Aquela com olhar oblíquo foi única e não me pertenceria, não importa o quanto a desejasse. Então a minha teria amêndoas nos olhos grandes e castanhos, com rajados verdes em apenas um deles. No tempo dessa nova pessoa, a heterocromia era coisa de malditos. Aliás, em qual tempo não se faz maldito aquele que é diferente, seja de nascença, seja por escolha? Bem, se ela era amaldiçoada, então talvez ela nem precisasse de cabelos. Pronto! Nada de cabelos ou de DNA perdidos na cena do crime!

Mulher maldita só pode ser... Uma bruxa! Ah, os poderes que as mulheres têm e não revelam... Adoráveis! Toda mulher se crê bruxa e conhece suas possibilidades inconfessáveis. Não foi por isso que escolheram a pobre Eva para ser a culpada pelas desgraças alheias? Ou será que essa foi Pandora? Minha persona era muito pequena naquela época, ela não se lembraria de algo assim. E o que ela não sabe ou do que não se lembra, eu também desconheço. Todo autor deveria respeitar o antigo pacto entre criador e criatura. É. Deveria.

Fácil escolher atributos. Mais difícil é dar-lhe alma... Quem ela é e de onde veio, ela não conta. Talvez sua cabeça raspada seja por causa de uma promessa, dessas feitas em convento, sob olhares severos. Ou talvez seja por ter condenado uma cidade inteira a sofrer com sua ausência. Quem sabe ela não andava fora da lei? E que lei foi essa que ela quebraria? Seria nobre ou suja a sua causa? Sobreviver é soberano, ainda que não sejamos reis. Ela não se importaria com seu passado porque ninguém deu atenção a ele antes. Logo, para ela não ia ser no passado o lugar onde moraria sua alma, mas no que ela faria hoje para afetar seu futuro. Uma boa bruxa pensa assim.

Hoje ela é anima a ser construído: alma com a intenção de ser. Intenções farão dela algo cheio de vontades. Vontades que podem ser realizadas ou execradas. Mas como essa nova mulher ainda não foi escrita, então ainda não sei se ela se dará ao trabalho de registrar qualquer de seus feitos. Ou se - ao contrário - será magnífica.
 Thais Simone.
(Para um certo contador de histórias) 

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