Pessoas inspiram umas às outras. Algumas com seu amor, sua visão otimista, suas energias positivas... Outras com o seu ódio. O que provocam não importa. Só o que importa é o que um autor faz com a provocação. Sentimento não passa de um conceito de dicionário se não estiver ligado a um alguém, logo existe essa pessoa, aquela que inspira o autor. Musa é o nome da entidade que inspira as artes. É frequentemente subestimada por remeter ao gênero feminino. Qualquer um quer se apossar do masculino deus, mas nem todo mundo quer ser musa. Talvez seja mais tolerável utilizar um substantivo de dois gêneros no lugar de musa, como “personagem”.
Seja na prosa, seja no verso, as pessoas que inspiram o autor tornam-se personagens de um desejo. Parece muito sedutor e lisonjeiro, não fosse igualmente perigoso. Para inspirar alguém sem se magoar com isso, há algumas premissas básicas a serem desveladas.
A regra mor do candidato à musa é ter muito cuidado com o que tem nas mãos. Isso que eventualmente lerá é só um texto, não um espelho.
O sopro inspirador, o personagem, deixa de ser ele mesmo ao ser desfigurado para se tornar palavra. E uma vez criado, estará sujeito a paixões violentas, amores complicados, atos heroicos ou funestos. Todas as corrupções da alma humana são viáveis em um personagem, por isso um autor se apaixona por ele. O personagem tem incontáveis possibilidades. Mas você, que o inspira, continuará sendo limitado.
Se você é uma musa, digo, um personagem, garanto que para o autor, você será sempre belo, independente de qualquer conceito de maldade que lhe for imputado.
Quem for do autor a musa, se tornará o mais maravilhoso dos (i)mortais. Será admirado por ninfas e invejado por deuses, exatamente como Narciso, aquele que se encanta consigo ao ser observado. No entanto, cabe lembrar que Narciso morre afogado. Assim, evite a soberba.
O que acontece com o personagem depois do alento divino é que ele ganha vida e segue seus próprios passos. Não os seus passos, mas os dele. Nem tudo é biografia e esta é privilégio de poucos.
Por outro lado, a alma de um personagem se manterá segura dentro de um livro. Mas você que inspirou um autor hoje, dificilmente será o mesmo amanhã. Páginas tratam personagens com ternura enquanto o tempo do lado de fora do livro prosseguirá à sua revelia.
Uma parte de você será eternizada, mas você não poderá escolher se para o bem ou para o mal. Algumas vezes, só o julgamento de um terceiro, o leitor, é o que submeterá o personagem a qualquer um dos destinos.
E que seja espontânea a descrição dos personagens. Procure não obrigar o autor a escrever sobre você. Os resultados podem ser inesperados. Lembre-se, não há nada mais instável que céu de escritor. De repente o sol se fará encoberto por redemoinhos de tormentos.
Assim, seja prudente. Melhor não procurar por semelhanças. Melhor nem ser musa! E se for personagem, evite sabê-lo.
Não se preocupe. Por amor, o autor irá ampará-lo... Para que não se sujeite ao julgamento, ao tempo ou a um destino desconhecido, o autor jamais revelará que você o inspirou e que é você quem está ali retratado. Ele pretende assim protegê-lo de toda e qualquer deterioração provocada pela vaidade. Nem que para isso o autor tenha que se expor, como se você, o personagem, fosse ele.
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