3 de novembro de 2013

Diário do escritor: o início ou as reticências...


O que as reticências não nos dizem sobre escrever...

Não dizem que escrever é ato solitário, na enorme maioria dos casos. E clandestino. Uma ideia descabida, com vontade própria e que quer virar livro... Só se pode obedecer a isso que nomeiam inspiração...

Quando se escreve bem, pode-se ouvir de vez em quando “devia escrever um livro...” Às vezes se ouve isso de si mesmo.

Devia... Com as reticências no final para deixar claro que era só uma ideia, tola talvez.

Não. Ninguém anuncia “vou escrever um livro”. O livro simplesmente acontece. O máximo que se ousa dizer é “estou escrevendo”. Sempre um processo que parece não terminar nunca. Não termina, como as reticências. Para acabar um livro, há que se cortá-lo da gente com faca ou ele não sai da gaveta. Vai sangrar.

Sangra porque escrever é lidar com esse ser perfeccionista que nos habita. E domá-lo. Ensiná-lo que tudo bem não ser perfeito. A escrita deve ser impecável sim, o português perfeito, se o seu personagem o permitir. Fora isso, o livro não é perfeito. Raros o são. A maioria dos livros que amei foi perfeita para mim, não necessariamente ideal para você.

Anunciando que haverá um livro, há o risco de alguém perguntar, “livro sobre o quê?” E se você comete a estupidez de responder (normalmente a resposta é longa), o que ouvirá de volta é “ah...” Também com as fatídicas reticências.

Como tudo que dá prazer nessa vida, o escritor é visto com preconceito. Só porque não é possível viver apenas de palavras... Pode-se tentar e, com muita sorte, até existiu gente que conseguiu. Mas sejamos honestos, para os escritores ditos amadores, iniciantes ou independentes, do mundo não virá apoio emocional, quem dirá o financeiro! Normalmente os independentes têm outro emprego para matá-los de tédio, digo, para sobreviver. Infelizmente é preciso. Palavra é igual amor. Não sustenta.

Então você acha que tem esse dom da escrita. Mas como não publicou nada ainda, acha que não é um escritor. Primeiro passo: escreva e assuma-se! Garanto que dizer “sou escritor” é mais difícil que revelar um segredo.

Assumir-se é pior do que declarar um fetiche em público. Tão complicado quanto dizer que se tem outra opção sexual. Opção. Implica em não ser convencional. Até parece que quem escreve tem a liberdade de dizer se quer ou não quer escrever! Não temos esse direito, apenas a necessidade. Podemos até teimar e deixar um pensamento morrer ao não passá-lo para o papel. Como castigo, ficamos com aquela ideia morta nos assombrando. “O que foi que eu pensei mesmo?“ Mais reticências que torturam.

Uma forma suave de se assumir é declarar sua “opção” em lugares aonde ninguém o conheça. Numa viagem, em um passeio pelo museu... Escreva lá no livro de registros do museu: seu nome e, quando lhe pedirem a profissão, pause a caneta um momento. Encare o abismo que se abrirá à sua frente e pule. Escreva lá: “escritor”. Se se sentir bem, nem digo confiante, mas se se sentir realmente bem com essa palavra, está na sua hora...

Lendo alguns comentários pela Internet, me dei conta que a autoestima do escritor iniciante não é das mais altas. Isso é compreensível... Há uma privação crônica de leitores, o que faz do autor um carente. Quando falta comentário, um elogio, uma crítica, o pequeno autor se questiona “mas será que está bom o bastante?” Para saber, pergunte-se: eu gosto desse escrito? Se a resposta for sim, acredite, está bom. Talvez apenas não tenha encontrado o seu público. E se ficar muito tímido e não publicar, jamais o encontrará.

Aí você declara que escreve. Mais terrível ainda é o que vem a seguir... “Posso ler?” Ai que frio na barriga! Existem almas boas que vêm a esse mundo para nos ajudar. Vai ter gente que vai ler e vai contribuir para a evolução do autor. Pessoas que - se você tiver sorte - irão fazer você mudar tudo o que escreveu! Amadurecer. Para esses, você pode emprestar suas páginas. Para os curiosos não. Os curiosos não vão copiar sua ideia, mas vão desestimulá-lo a continuar escrevendo. Se o livro ainda for um embrião, proteja-o. Proteja-se. Seja enigmático na resposta. “Claro que pode ler... Assim que estiver pronto...” Todos ficam felizes usando-se as reticências...

Não, ninguém lê nesse mundo imediatista de frases irrefletidas em rede social. Conquistar um leitor é mais duro que ter salário. Precisa merecer. E em um meio literário povoado por tantas palavras soltas já publicadas, como é que seu leitor vai encontrar você? Não vai... Ele também não vai encontra-lo no minuto ou no dia que publicar. Talvez se passem anos até que ele o encontre. Não desanime. Publique mesmo assim. Porque de ideias não reveladas e de analfabetos, nos bastam as gavetas...
Thais Simone. Em 03/11/13.

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