1 de março de 2015

Diário do escritor: antes do ISBN

Era para escrever um diário, mas não há nada de dia nesses escritos. Só existe noite, estrelas e cansaço. Assim tem sido a história que anda junto com o livro. Tudo nele pertence à noite, como tudo que é primeiro: da escrita à sua transformação em folha. Gente que é gente e que precisa trabalhar fora da literatura para viver faz assim. O resto: viver de escrever, é fantasia, logo, é de noite que se rega sonho e o desse livro, dá em árvore.

Até ontem o livro estava sozinho, semente de coisa guardada. Sites para autores iniciaram a mudança do escrito para dentro de uma capa, de um invólucro. Houve um bem-vindo apoio de baixo custo na internet. Foi dali que veio a ajuda para a obtenção do ISBN, o “International Standard Book Number”.

Precisar do ISBN para publicar, na verdade, não precisa. O ISBN não é obrigatório. Mas com ele o livro pode ser encontrado em qualquer lugar do mundo, facilitando a comercialização, por menores que sejam as pretensões de vender a literatura.

Há uma lista de questões sobre o autor e sobre sua obra antes de se obter o ISBN. Não é difícil que o próprio autor se torne um autor / editor e faça sozinho a sua inscrição junto à Biblioteca Nacional (BN): o processo é burocrático, mas automatizado.

O questionário da BN incluía: o título da obra; o subtítulo. Originalmente o meu livro não tinha subtítulo, mas com um título abstrato, amigos orientaram que ficasse claro (para os leitores) que os escritos se tratavam de poemas e não de esoterismo, romance ou qualquer imprecisão alheia a ele. A BN perguntou também se o autor tinha pseudônimo, qual era o assunto (poesia brasileira), qual era o idioma (duh!) e o tipo de obra: independente? Volume de coleção? Fascículo? Por eliminação a obra era independente. Engraçado um filho ser independente sem nunca ter nascido, mas a BN não joga com palavras.

Também queriam saber sobre edição e ano, sobre cidade e estado, como se isso fosse de grande relevância para quem fosse ler a sua poesia. Sim, algumas perguntas são óbvias, por outro lado, o objetivo do ISBN é tornar a obra (e sua edição) única. Quanto mais específicas forem as informações, mais preciso será seu registro. Por isso, a burocracia deve ser perdoada.

A obtenção do ISBN começou a complicar à medida que o questionário seguia: qual o formato do livro? Hoje existe fotolito e png. Perguntei ao “tio Google” o que era isso e ele me esclareceu: um tipo é para impressão do livro em folha, dessas que se arranca de árvore, e o outro tipo era para publicação digital. Respondi que o livro queria os dois, até para evitar o inconveniente de ter que voltar à BN e fazer outro registro.

O preconceito com e-book vem acabando bem devagar entre as gerações mais experientes. Publicações, que de outra forma não alcançariam o mercado ou que não cruzariam a fronteira entre os países, podem ser adquiridas com muita facilidade e a um custo bem razoável: não se precisa mais pagar pelo papel do livro e por seu transporte, a menos que se queira ter o maço de folhas em suas mãos. Também concordo que o cheiro dos livros jamais será substituído por qualquer perfume. Igualmente, ainda se trabalha numa forma de substituir o prazer de folheá-lo, mas a opção menos “custosa” e com melhor penetração no mercado é a do formato digital (assim me disseram). As gerações mais novas não só já perceberam isso, como têm se valido do formato para ler mais e, quem sabe, melhor.

De volta ao ISBN, o questionário chegou a itens obscuros, completamente estranhos para quem nunca publicou. Qual era o tipo de papel: simples? Há que ser dito que todo papel escrito é complicado, morre-se por ele inclusive, mas não era isso que a BN queria saber. Também perguntaram qual era o tamanho do livro (A4, A5 e uma lista de “outros”), se a capa era brochura, espiral ou dura e qual era a quantidade de páginas.

Deve-se ter em mente que a publicação de um livro é um processo e há coisas que precisam estar prontas antes de outras. Na falta de um roteiro, autor independente vai quebrando a cabeça e lendo a experiência dos outros. Por exemplo, o tipo de encadernação depende da quantidade de páginas e para saber quantas páginas, é necessária a diagramação.

Organizar as ideias, colocar índices, ter folha de rosto, saber onde fica a ficha catalográfica, inserir sumário, dedicatória, prefácio, minibiografia e pôr tudo isso em ordem demanda tempo. Há algumas regras básicas, mas de modo geral, para o miolo do livro não há qualquer norma a ser seguida. Com o miolo, autor pode fazer o que quiser. Para organizar o resto, existe o diagramador. Caso essa opção aumente o custo, o autor pode diagramar seu próprio livro: há instruções bem interessantes disponíveis na internet tanto para organização do livro quanto para a fabricação de uma bomba caseira. Ás vezes é difícil saber a diferença. Para diagramar, basta ter tempo e paciência.

Hoje o livro está em diagramação, sem que se consiga passar para a fase de obtenção do ISBN. Pequeno galho de árvore em espiral caótico à procura de sol. Diagramação demora. Um amigo tentou ajudar, mas ele também só podia ceder a noite ao livro e nós desistimos. De volta ao site de baixo custo, o livro foi preparado para a impressão e para o formato digital.

O diagramador perguntou se o livro teria orelha. A orelha do livro, aquela parte que fica dobrada e que pode ser usada como marcador de página só serve para uma coisa: encarecer o custo de impressão, caso se opte por ela. As informações da orelha podem conter o que o autor desejar. Novamente, não há regra absoluta, mas no site consultado disseram que as orelhas deviam fornecer um pequeno resumo da obra para a orelha da capa e uma minibiografia para a da contracapa, além da foto do autor. Assim as ordens para o autor eram: faça resumo da obra, faça minibiografia e tire foto.

Só conheço autor tímido, sem a menor intimidade com a lente de uma máquina fotográfica. Imaginem o suplício para convencer o ser autor que mora no meu invólucro que ele tinha que tirar foto. No final, a foto ficou boa. Exigi que não a trabalhassem. Autor quando quer mentir, usa a ficção. Só ela já nos basta.

Com tanto recurso, as árvores de livros nascem e crescem como bem entendem. A chamada democratização da literatura. Tornou-se terreno fértil para grandes editoras. Criou-se um mercado para um consumidor específico: aquele que escreve e que vai pagar para ser publicado. Bom para quem vende o serviço, interessante para o autor que compra esse serviço a baixo custo. A simbiose pode ser boa para os dois lados. Mas só o tempo vai poder revelar os seus vícios.


Thais Simone

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