27 de julho de 2018

Lua de Sangue

A Lua está ao lado do Planeta Vermelho.
Ela é feita de luz.
Ele, de tempestade.

Ela dormiu nos braços dele.
Ouviu suas cantigas
e acolheu seu desespero.

Luna que emerge do eclipse
recebeu de Marte um presente.
Recebeu um beijo.

Ele sabia.
Não há melhor fase que a cheia,
para despertá-la do banho de sangue.
Marte não seduziu uma amante,
mas uma aliada.

Lua que dorme com o Planeta Vermelho
desperta com fúria.
Agita suas ondas.
Mexe com a Terra.

Como Marte esperava,
a Lua está pronta para amá-lo.
Luna agora quer guerra.

Thais Simone.
27/07/2018

26 de maio de 2018

Os Souza

Nostalgia é quando você se lembra de que foi pequeno um dia. E teve melhores amigos. Talvez sua melhor amiga se chamasse Claudinha e ela tivesse dois irmãos adolescentes chamados Raquel e Juninho. Talvez os pais deles recebessem você na casa deles e esses pais poderiam se chamar Antônio e Cecy.

Você se lembra deles com o coração leve, mesmo tanto tempo depois de seus caminhos terem se afastado, como a vida faz com todo mundo, aliás.

Imagine que você costumava ir para a roça (hoje, Serra do Cipó, e nem é roça mais). Você ia com eles na camionete laranja do tio Antônio. Na caçamba mesmo.

Ela era coberta, mas independentemente disso, as crianças iam cuspindo tijolo porque a estrada era de terra vermelha e era inevitável que a poeira invadisse o carro.

Viajar levava uma eternidade. Ficar sacolejando ali fazia a bunda doer, mas dane-se! Ir para a Serra era promessa de diversão garantida, de um céu cheio de estrelas e da maior lua cheia que você jamais veria na vida.

Você se lembra de ter quase se afogado pelo menos duas vezes na vida: uma na piscina da casa da prima da Claudinha e a outra no córrego da roça. Graças a isso sua mãe mandou você e seus irmãos aprender natação.

Juninho foi quem "pescou" você do córrego quando se afogou lá na Serra do Cipó. E ele ficou muito bravo com a irmã caçula dele. Você nunca teria sabido o motivo, caso a própria Claudinha não tivesse confessado que ela empurrou você do tronco / ponte improvisada. Claudinha ficou desconfortável de lhe revelar essa história, mas seu amor por ela não diminuiu por esses detalhes. Que tipo de melhores amigos vocês seriam se fosse diferente?! (Na verdade, talvez você soubesse e tivesse optado por esquecer).

Você também se lembra de que foi o Juninho quem lhe emprestou o primeiro disco do Queen (e talvez do Deep Purple?). Você só devolveu depois de uma eternidade. Aprendeu a mexer no som do seu pai (área sagrada e intocável da casa!) por causa do Queen!

O Juninho também foi representar os sentimentos da família quando o seu tio Dudu partiu. E provavelmente ele achou isso constrangedor, mas ele lhe ensinou com poucas palavras como presenças e honras eram importantes.

Você também se lembra que tia Cecy passou mal um dia. Raquel, que sempre foi a "healer" para as crianças, pediu para não fazer barulho na casa e todo mundo respeitou. Naquele dia você descobriu que se importava com a saúde dos outros. Isso (talvez) lhe serviria para algo no futuro.

A Raquel foi quem tirou as centenas de espinhos de coqueiro que cismavam em se enfiar entre seus dedos dos pés. Foi ela também quem tirou você da piscina naquele dia que você escorregou. Esse foi escorregão mesmo. Você era criança, logo, tinha propensões a esses acidentes sem noção.

Assim, você foi salvo pelos irmãos que agiam tão naturalmente com essas "coisas de criança" que você não teve que lidar com traumas, nem na natação.

A tia Cecy era uma lady pelos seus olhos de criança. Ela e sua mãe eram as representações femininas de poder. Isso junto com a Zoraide, mas Zoraide é de outra família diferente.

Tia Cecy lhe ensinou a respeitar a humildade das pessoas, mesmo quando tudo o que elas podiam oferecer era água com açúcar. O nectar vindo de gente sem recursos foi bem-vindo naquela noite fria e aqueceria seu coração por toda sua vida.

A boca de Claudinha, Raquel e tia Cecy torciam (torcem) exatamente do mesmo jeito quando queriam contar um segredo. Ou um malfeito.

O arcano e o secreto lhe foram apresentados por essa família. Fosse pelos passes de tia Maria na casa de dona Cremilda, fosse pelas histórias de disco voador, de vampiro ou lobisomem que Raquel e Juninho contavam. Ah como você amava (ama) essas histórias! Talvez você ainda durma com o pé coberto por causa delas...

Na casa de dona Cremilda você tinha medo do maior cachorro do mundo. Depois, ou ao mesmo tempo, Juninho e tio Antônio cuidavam de cães gigantes na casa deles também. Pelo menos uma vez você correu com Claudinha de um desses cães. Era divertido. Era assustador.

Claudinha era simplesmente a menina mais legal do mundo. Era ela quem fazia você rir quando você chorava por perder um jogo. Ela lhe chamava de "chora e ri" e você ria mais ainda. Seu nariz vermelho e o sorriso torto não deviam ter um efeito bonito!

Tio Antônio ensinou com orgulho à Raquel e ao Juninho a dirigir. Ou o Juninho ensinou à Raquel. Ou eles aprenderam e fugiam na camionete conosco de vez em quando. Eram outros tempos. Alguém não podia saber dessa história da caminhonete. Oh-oh.

Esses dois irmãos sempre foram legais porque conversavam com as crianças, por mais pentelhas que elas fossem!

E por falar em carros, a Claudinha foi quem lhe ensinou a usar o desembaçador de vidros na volta da Santa Casa. Vocês duas já tinham carteira, óbvio, mas você nunca se interessou por carros como ela. Coisa da família Souza, quem sabe? Você se lembra bem de que o riso dela foi franco ao descobrir que você ainda usava a flanelinha, como seu pai fazia anos atrás. Não fosse ela, você jamais teria lido um manual de carro. De novo.

Havia também o inesquecível brado do Tio Antônio: "oh, trem bom!" para quem ele considerava a maior cozinheira do mundo: tia Cecy, claro.

Dizem que foi por causa de tio Antônio que o seu irmão do meio nasceu com a língua para fora. Afinal, não se fala em pato a Califórnia para gestantes em final de gravidez! Será que ele "aguou" o menino? Nunca saberemos.

Mas sabemos que essa família fez parte de sua história e que deixou saudades e lembranças de um tempo bom. Um tempo em que era bom e saudável ser criança.

Seja grato.
Saúde e paz a todos eles.

Thais Simone
26/05/2018

7 de abril de 2018

Stand by...

O blog tem estado pouco ativo sim mais por causa das redes sociais que engoliram a comunicação entre as pessoas. Mas eu venho, gente. Eu venho aqui de quando em vez. Venho celebrar assuntos módicos porque hoje tudo tem que ser resumido e pequeno e acabar logo antes que acabe em esquecimento. É assim ou as pessoas não leem... Pena! Há tantas palavras bonitas esperando por alguém que as queiram.

31 de outubro de 2017

Dança na rua

Um manto de cinza rodeou a cidade
e largou o peso das nuvens sobre o seu corpo.
Ela não se importava.
Celebrava seu ritual com cânticos ancestrais.
Pedia por amor.
Não um amor,
amor de verdade,
do homem pela terra onde pisava.
O povo achou estranho
a donzela dançando na rua
sua roupa colada ao corpo.
Foi ignorada.
Houve um tempo no qual as bruxas cantavam,
suas almas brancas se elevavam
e o manto de chuva limpava a dor da cidade.
Hoje ninguém se importa mais
nem com a sua dor,
muito menos com a dor da cidade.
Só a louca na rua
que pela cidade dançava.
Ferozes eram os ventos
que cobraram suas lágrimas.

Thais Simone
Para NL no dia das bruxas.

13 de setembro de 2017

Manual de Artes para idiotas

Ela provoca. Essa é uma de suas funções.
As reações a ela podem ser diversas:
ela pode irritar, desafiar, transgredir.
Ela pode fazer você pensar (muito cuidado)!
Vale a interação, a descoberta.
Arte existe para abrir corações (e mentes).

Gostar dela (ou não) só diz respeito a você.
Não permita que opiniões alheias afetem sua relação com o mundo das Artes;
nem deixe de conhecer a obra por caprichos ou julgamentos de outros,
a menos, claro, que você admita que é incapaz
de elaborar o mais simples, o mais puro, pensamento.

Ame-a, descarte-a ou passe por ela.
Apenas lembre-se:
Arte é Arte.
Independe de sua interferência para ser criada.
Ela sobreviverá apesar dos tempos terríveis,
pois é seu destino levar luz à escuridão.

Thais Simone
Em um momento de caça às bruxas e se perguntando quem (verdadeiramente) são elas.

27 de agosto de 2017

A bota

Eu fui ter botas no dia que decidi caminhar. Mas não era qualquer caminhada. Era uma daquelas que pedia pó, pedia pedra, pedia desbravar. Alma sedenta, paixão aventureira e uma dolorosa falta de algo que não sabia dar nome. Então comprei a bota que me disseram que era própria. Um paliativo para o problema dos inquietos. Não havia muita convicção do que estava fazendo, apenas o desejo pela jornada.

Não nos entendemos muito bem no primeiro momento. Desajeitada, ela se agarrava aos tornozelos e aos pés com o desespero que só as botas novas têm. Saía pisando no que alcançava, molestava outros pés, chutava pedregulhos, agia como se tudo lhe pertencesse. Para piorar, não combinava com nada do armário. Aquele mundo era outro.

Então roupa foi comprada para a bota. Jeans, camisetas, coisas confortáveis que, disseram, eram tão feias quanto a bota, mas que fariam conjunto com ela. Pouco foi gasto no processo, tecidos antigos (esquecidos) foram reformados. Passados felizes e tristes foram visitados e perdoados. Depois daquilo tudo, finalmente a bota se sentiu pronta para enfrentar seu destino!

As primeiras caminhadas dela foram na cidade dura, para "amaciar" o solado. Ela não estava feliz. Queria um solo nem tão negro, nem tão frio. Protestou horrores numa viagem de carro e só parou de reclamar depois de entender que não ia ficar na lata para sempre. Saindo do transporte, finalmente a bota pôde se libertar daquela sina terrível de papelão, metal e asfalto.

Ela pisou na terra pela primeira vez. E não era qualquer terra, era Ollantaytambo, uma terra com pedras ancestrais, onde pés muito menores que os dela sustentaram uma civilização inteira.

A bota subiu altitudes, degraus e degraus. Dobrou as atitudes dos pés, ensinou humildade aos tornozelos e o valor do descanso a todo um corpo pesado. As coisas que não falam sabem desses assuntos e, no silêncio, ensinam a arte do confiar.

No alto de um templo do sol do Valle Sagrado, a bota parou e ficou por tanto tempo, mas por tanto tempo, que deu cãibra no pé que ela carregava. Esperou pelo pôr-do-sol sem resmungar. Orações são verdadeiras quando escapam sem libertar um pedido.

Depois a bota dificilmente saiu de fora de seu pé. Ela subiu até uma cidade de pedra nas alturas, pisou nos Andes, mais de uma vez. Conheceu o seco e árido deserto. Viu lagos, pisou em glaciares, cruzou lagunas congeladas. Ela andou na areia fofa, antes de chegar à molhada. Deu passos pequenos, grandes, indecisos. Ela escorregou, se machucou e continuou a andar. Fez caminhadas lindas, enfrentou outras nem tanto. Mesmo depois de tanto tempo juntas, eu e ela ainda vivíamos separadas. Éramos o instrumento uma da outra. E por mais que nos protegêssemos, não sabíamos de cuidar. Paciência.

Um dia, cansada de uma longa caminhada, houve um "obrigada". Botas ensinam gente que usa botas que o importante é o caminho, é a pergunta e a dúvida, é o movimento; não é o chegar.

Houve atenção ao invés de espera. O pano e a água tentavam limpar o pó. Não saiu tudo. Não era possível apagar as marcas da caminhada sem se danificar toda a estrutura de grãos, de lembranças cuidadosamente armazenadas. O brilho do novo se foi. A idade agora era aparente. Jornadas fazem isso de enrugar peles e couros. Havia aceitação e gratidão no ato. Amar por se amar.

Na hora da espera, aquela que preparava para outro caminho, bota, pé, tornozelo e a gente, todos estavam harmonizados, prontos para pisar em mundos diferentes. Prontos para atravessar.
Thais Simone.

26 de junho de 2017

Diário do escritor: a gratidão e a tatuagem

Ela tem estado quietinha desde a publicação do livro. Motivo: trabalhando no novo livro. Gostei disso de publicar. Foi "diferente".

Tive alguns retornos interessantes.

Gente que leu "de uma sentada". Jamais vou saber se isso é bom ou se é ruim. É provável que seja ambos.

Gente que não entendeu nada. Gente que acha que tem que ter doutorado para ler (e não tem, poesia é sentimento). Gente que comprou e não leu. Aguardam e guardam poemas.

Muita gente ganhou o livro. Educados, reservados, ausentes...

Outros tomaram o livro como quem recebe um presente. Celebraram, choraram, escolheram.

Gente que "nem gosta de poesia", mas que leu assim mesmo e amou o que teve. Pedem por mais.

Muitos, mas muitos se surpreenderam.

Teve gente que achou que conhecia (a autora), agora confundem meu trabalho comigo. Quando nada mais me pertence (o poema é seu!), dão um jeito de me achar ali... A esses aviso: não é possível decidir o quanto no livro pode ser real. Há tantas variáveis nesta incógnita... Melhor parte do relacionamento: a pergunta! Será? :D

Houve gente que gostou tanto, que pegou um bocado para por à venda. Gente que faz propaganda.

E gente que (ainda) ama.

Pessoas: sou-lhes grata.
     
A todos, repito aqui o que disse no lançamento:

Poesia é como tatuagem, só que esta fica gravada na alma.

Vai ter gente que vai olhar e vai achar feio. Como pode alguém se marcar assim? Marca de alma não tem justificativa, fica presa embaixo da pele do ser. Um aviso, um amor, um momento.

Alguns vão procurar por uma com a qual se identifique. Vão escolher com cuidado e moldá-la aos seus contornos para ter com o poema uma relação íntima.

Outros vão admirá-la de longe, invejá-la e querer tomá-la para si.

Espera-se que muitos se apoderem dela. A marca na alma dos leitores, esse é o maior desafio (e perdição) do poeta.

Independente da reação que a marca-poema lhe provoque, uma coisa é certa: essa coisa que se molda à alma, goste ou não, você jamais será indiferente a ela.
Thais Simone. 07/04/17